A Mulher Portuguesa entrevistou Teresa Salgueiro. Saiba o que tem a dizer sobre si, sobre os Madredeus e sobre a música portuguesa.
Começaram há 13 anos atrás, ensaiando uma nova forma de música num espaço do Teatro Ibérico, no convento da Madre de Deus. Um grupo que começou a tocar e a compor pelo prazer daquela nova música cedo transforma os seus ensaios em verdadeiros mini-espectáculos. Daí a tornarem-se o grupo que são hoje, foi um salto.
A nova musicalidade que introduziram no panorama musical português não tarda a ser reconhecida e o público português recebe-a entusiasticamente. Entusiasmo esse que, 13 anos e sete discos depois, permanece inabalável, para além de se ter estendido pelo mundo fora, onde os Madredeus representam como ninguém a boa música que se faz em Portugal.
Teresa Salgueiro é a voz e a imagem daquele que se tornou um dos mais prestigiados grupos musicais portugueses. Os Madredeus levam Portugal além fronteiras, cantando a nossa cultura, e já são tão célebres como o fado na voz de Amália. A Mulher Portuguesa foi conversar com Teresa Salgueiro, num fim de tarde no Chiado…
Por onde andam os Madredeus? Temos ouvido pouco a vosso respeito…
De facto na rádio passa pouquíssimo, principalmente porque agora não temos nenhum disco a ser divulgado… No que diz respeito a espectáculos, o nosso ano de trabalho começou em Fevereiro, em Espanha, depois México, França, Alemanha, Itália e Brasil. Fizemos uma tournée em Portugal, em Agosto, que correu muitíssimo bem.
Desta vez não foram ao Japão, mas já lá fizeram muito sucesso. A que é que atribui essa aceitação da vossa música por parte de um povo oriental?
O Japão tem uma cultura muito rica, muito antiga e interessada pelas outras culturas. E pela portuguesa em especial porque, em tempos remotos, fomos o primeiro povo ocidental a lá chegar e já há uma história muito longa de cumplicidade e troca de culturas. É um povo com uma sensibilidade muito especial, que ama muito a poesia e a música. E tudo isto se reúne a nosso favor e a favor da música portuguesa.
E como foi no Brasil?
No Brasil somos recebidos de uma forma muito calorosa. É um país muito especial, por ser o único, tirando Portugal, em que podemos cantar e saber que percebem o que dizemos. Para além de ser um país com uma cultura musical riquíssima…
Juntamente com os nomes de Amália Rodrigues e Dulce Pontes, os Madredeus são os grandes embaixadores da música portuguesa a nível internacional. Até que ponto sentem o peso dessa responsabilidade?
A nossa responsabilidade é sempre para com a música. O nosso primeiro objectivo e a nossa finalidade é fazer música. A música é uma coisa imaterial, uma comunicação que se atinge com vontade, com trabalho, com perseverança, com esperança… é essa sempre a responsabilidade. É evidente que, à medida que as pessoas são conhecidas e há um público que nos recebe e nos convida, há sempre uma expectativa a que queremos corresponder. E como fazemos música ao vivo, e é isso que gostamos de fazer, temos sempre essa meta, mas a nossa balança, o nosso fio de prumo é sempre a música, é isso que nos conduz.
E para quando podemos esperar o próximo disco dos Madredeus?
Estamos a preparar música nova, para ser gravada, mas por enquanto não há ainda nenhuma data prevista.
Podemos contar com a mesma linha que o grupo tem vindo a seguir?
Todo o trabalho dos Madredeus tem sido um compromisso para com o estilo que criou, tentando inovar em cada trabalho. Mas desde sempre o nosso objectivo principal foi cantar na língua portuguesa e descobrir a sua musicalidade, fazer música dedicada à nossa cultura e essa continua a ser a nossa vontade. Claro que à medida que o tempo passa e os músicos se conhecem melhor e vão amadurecendo vão surgindo ideias novas e vontade de experimentar outras coisas. Mas a ideia original continua.
E o cinema? Depois da participação em “Lisbon Story”, há mais projectos?
Tem havido convites, não só para filmar mas também para fazer bandas sonoras. Mas não tivemos oportunidade. É muito difícil gerir a vida de um grupo com tanta solicitação. Nós temos sempre vontade de corresponder ao interesse do público e é muito difícil arranjar tempo num grupo que é constituído por tantas pessoas. Mas é sempre uma ideia, eu acho que a nossa música é muito “cinematográfica” e se houver oportunidade… espero que continue a haver esse interesse.
E quanto à perspectiva de uma carreira a solo?
Eu costumo dizer que a minha carreira a solo existe dentro dos Madredeus. Tenho a sorte de estar num grupo em que as canções são compostas para mim, para eu as cantar, e isso é um privilégio. Mas claro que há canções que eu gosto imenso de cantar e que não cabem no repertório dos Madredeus e um dia, se tiver oportunidade de as cantar, hei-de fazê-lo. Não sei quando isso poderá acontecer, quando será a ocasião certa. Existe essa vontade, mas como a carreira dos Madredeus é tão absorvente e o interesse do público é tão grande e a criatividade dos músicos é tão constante… Por enquanto não tenho nada preparado e ainda não senti uma urgência imediata de fazer alguma coisa fora dos Madredeus.
Antes de integrar os Madredeus, já tinha iniciado uma carreira como cantora?
Não… eu nunca fiz planos para ser cantora. Sempre gostei muito de cantar, sempre cantei, brincava muito… Mas nunca planeei vir a ser artista. A partir de uma certa altura uma amiga minha levou-me a cantar em situações mais ou menos públicas, quando saía à noite, com amigos, etc… Nessa altura eu cantava umas coisas de bossanova e descobri o fado na voz da Amália. Comecei a cantar também os fados e esse meu gosto por cantar tornou-se uma paixão muito grande. Entretanto também integrei uma banda de garagem, que tocava rock sinfónico.
Era uma coisa que eu gostava de fazer, mas não era a mesma paixão que eu tenho por cantar em português, cantar as palavras. Essa é que é a minha grande motivação. Fui descoberta pelos Madredeus enquanto cantava um fado e tive a sorte de entrar num grupo de músicos que se propunham compor canções originais em português.
Até que ponto é que, hoje em dia, a sua vida pessoal é afectada pela sua profissão?
Eu não consigo separar a minha vida pessoal do trabalho, porque o meu trabalho é muito pessoal. É uma coisa em que ponho muito de mim e portanto é muito enriquecedor, apesar de ser muito cansativo e exigir muito de mim, sobretudo uma grande ausência de todos os lugares, nunca estou em permanência em lugar nenhum, e isso custa. Tenho saudades de estar em Portugal, e sentir o meu país, de ouvir falar em português… Mas não vejo aspectos negativos, vejo aspectos difíceis. É difícil de facto ter uma família e não estar em casa…
No entanto a vida que tenho é tão enriquecedora, e é um privilégio tão grande viver a viajar e conhecer tantos lugares e culturas diferentes, e principalmente viajar numa condição que me permite conhecer o melhor de cada cultura. É muito estimulante poder viver assim.
É claro que nunca se pode ter tudo, mas o que se tem de bom acaba por ser compensador.
E para o futuro, o que prevê para si e para os Madredeus?
Não costumo pensar muito a longo prazo. O que espero para mim e para os Madredeus é que continuemos sempre com saúde e a trabalhar e a ter este interesse e esta vontade de fazer música. Os Madredeus têm sido um grupo cheio de mudanças, nunca foi muito estável, saíram músicos, entraram outros… mas a inspiração e a vontade de fazer música permanecem intactas. Enquanto isso existir, existe Madredeus.
Madredeus – discografia
Os Dias da MadreDeus (1987)
Existir (1990)
Lisboa (1992, ao vivo em Lisboa)
O Espírito da Paz (1994)
Ainda (1995, banda sonora de “Lisbon Story” )
O Paraíso (1997)
O Porto (1998)
Livro – “Madredeus – Um Futuro Maior”, Jorge P. Pires