Onde estão os dinheiros públicos? Ou melhor, qual é o destino do dinheiro que todos os dias entregamos ao Estado? Estará ele no Centro Cultural de Belém ou reservado para os Estádios do Euro 2004?
Os dinheiros públicos
O dinheiro é um bem essencial a todos! Por mais que me venham com a história de que o dinheiro não faz falta, isso é apenas pura demagogia de quem quer parecer pouco materialista quando na verdade se não tiver uma moeda na carteira nem um café pode tomar. E nós, portugueses, que prezamos sempre estes pequenos luxos!
Mas, e se todos os luxos fossem um café, estava o nosso país bem de dinheiro! O certo é que ‘levamos’ avante construções de grande porte, e algumas servem apenas para encher os olhos aos turistas que por cá desfilam, enquanto que obras e reparações inevitáveis ficam para depois. Por isso, sucedem tragédias como a de há duas semanas: a queda da ponte de Entre-os-Rios.
A queda desta ponte foi uma surpresa para alguns, mas tratou-se de uma consequência inevitável da irresponsabilidade do Governo para outros. Uma ponte centenária, construída a pensar em carroças puxadas por burros, bois ou cavalos, jamais poderia corresponder eficazmente ao suporte de camiões ou autocarros de grande porte.
O pior de toda esta tragédia, que deixou o país de luto, foi que há muito que o governo havia sido alertado para esta situação e nada havia feito. Porquê? Falta de dinheiro? Puro desinteresse? O que prevalece – a vida humana ou o luxo supérfluo que Portugal tenta ostentar?
Há coisas que, segundo os políticos, parecem ter uma prioridade máxima. Os Centros Comerciais, por exemplo, são um bom exemplo disso.
E para que servem? Para um bando de ‘dondocas’ andar a fingir que anda às compras, quando se calhar nem dinheiro tem para pagar um táxi de regresso a casa, exibindo os seus últimos trapos ’made in praça’ e demonstrando uma classe que não têm, porque a classe não se vê somente na roupa, calçado ou bijuteria mas, acima de tudo, no interior do ser humano, nos gestos e acções das pessoas.
E, quando é necessário ter dinheiro para construir um ginásio numa escola, reparar pontes e estradas, ou levantar obras que assegurem a sobrevivência dos seres humanos, onde paira o dinheiro?
Pergunto eu, que sinceramente não percebo para onde vão as quantidades gigantescas de dinheiro que o Estado mete para os cofres. Ou, porventura, seria mais correcto questionar-me se o dinheiro vai para os cofres ou para os bolsos? E que bolsos fundos e rotos que devem abundar por lá…
Repare-se na ironia disto tudo: elevam-se mil e uma estruturas luxuosas, chamam-se os melhores decoradores para as adornarem, e reúne-se uma pandilha de senhores e senhoras, apelidados ‘de bem’, para se pavonearem em eventos desta envergadura.
Enquanto semelhante evento decorre, na rua paralela, ou no outro extremo da cidade, podem estar crianças a passar frio, porque ninguém lhes dá uma casa nova, ou podem outros indivíduos estarem a ser vítimas de um acidente de automóvel porque, se calhar, os semáforos avariaram-se, e ninguém ainda se dignou a remediar a situação.
E, cúmulo dos cúmulos, enquanto o tal evento ainda perdura outro bando de políticos, mais dirigentes desportivos, estão a discutir as verbas que se devem empregar no Euro 2004. Uns a dizerem que o clube X leva mais dinheiro, e outros a fazerem uma birra por julgarem que o estádio Y é pior que o deles e até está incluído na lista dos ‘convocados’. Miserável!
Mas, a ganância dos políticos e dos senhores do dinheiro é tal que chega a repugnar a pessoa mais insensível. A tragédia de Entre-os-Rios levou à demissão de Jorge Coelho, aplaudida por uns e motivo de discórdia por parte de outros, mas quem protagonizou o maior acto de repugnância foi o presidente do Instituto de Estradas de Portugal que, inacreditavelmente, acreditava não haver motivos para se demitir. Porquê?
Porque o valor da indemnização para quem se demite é zero, e o valor para quem é demitido é bem mais chorudo, e sempre dá para, quem sabe, marcar umas longas férias ali em Ibiza com tudo pago, mas lá a sua consciência falou mais alto e demitiu-se.
O estado dos nossos governantes é degradante, repugnante, puro sinónimo, agora sim, de falta de classe, total irresponsabilidade e de cruel ausência de sensibilidade. Numa hora de luto como a que marcou a tragédia de Entre-os-Rios é, de facto, melhor pensar na dita indemnização do que no sentimento que invade os familiares, vizinhos e amigos das vítimas.
O problema, a meu ver, nem é a falta de dinheiro, mas sim a irresponsabilidade de quem o governa. Metê-lo aos cofres, ou aos bolsos privados, como queiram, é simples!
O pior é aplicá-lo devidamente e ir ao encontro dos interesses da população. Se o povo quer futebol, demos-lhe então futebol! Se querem Centros Comerciais, damos-lhe então Centros Comerciais! Se querem ir para Espanha, Itália ou Brasil dizer que têm por cá grandes estruturas, então construamos essas estruturas!
Mas, e antes de toda e qualquer vulgaridade, é necessário ouvir primeiro as suas necessidades pessoais, insatisfações e carências. A queda desta ponte deveu-se a um conjunto de factores que proporcionaram o seu desabamento, mas teve também nesse leque de motivos a irresponsabilidade e desinteresse do governo e por vezes falta de iniciativa dos autarcas da região.
A ponte de Entre-os-Rios pode vir a ser a primeira consequência desta filosofia de governação. Uma série de outras calamidades podem ocorrer se não se praticarem as medidas adequadas. Quer-se progresso, sim senhora, mas em primeiro lugar está a segurança de todos os portugueses!
Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante