Havia o menino da casa ao lado e ele me bastava no seu passear de fim de tarde…
A rua mágica tinha belezas: amendoeiras frondosas que lançavam seus braços verdes ornando as calçadas e abrigando multicoloridos passarinhos que pipilavam nos finais de tarde, fazendo a mais linda sinfonia para despedirem-se do dia; coqueiros à frente da maioria das casas que faziam sombras às roseiras e margaridas delicadas, mamoeiros nos quintais e mangueiras antigas que encerravam histórias de duendes nas fendas de seus troncos.
O menino da casa ao lado
Havia o menino da casa ao lado e ele me bastava no seu passear de fim de tarde, aguardado com preciosidade dos caros anseios. À noite, eu o ouvia tocar violão no muro de sua casa.
Eram músicas apaixonadas daquelas que os compositores da Jovem Guarda detinham o poder de produzir. E ele estava cioso dos efeitos que produzia no meu coração.
Ele sabia ser a rota certa para que eu ficasse da janela a olha-lo distante, mas tão presente como se estivesse na mesma harmonia do seu violão.
Aquelas músicas estão acesas na minha memória, no mesmo ritmo de então: “Veja bem, preste atenção, esta é a nossa canção…” ou “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer, como é grande o meu amor por você…”
Eram longos os olhares trocados da janela que, sem palavras, eram os mensageiros, alvissareiros do que o amor impingia e tonificava, salvaguardando-se o horário sagrado de vê-lo passar em frente ao muro da minha casa.
A balaustrada em frente à praia e a varanda quadriculada de estrelas foram o palco das muitas palavras de amor, dos encontros e despedidas, da sofreguidão adolescente, todavia vivaz e cheia de promessas.
O menino mudou-se para outro Estado e todos os amigos foram leva-lo até o ônibus. Ele despediu-se tristemente, dizendo-me: “Um dia eu voltarei e a terei para mim. Não importa que demore muito tempo, pode me esperar!”
Escrevi uma frase de amor na camisa branca que ele vestia, com uma tinta azul-marinho.Meu coração é um deserto, se não pousa mais em mim seus olhos. Minha vida é uma sombra errante, soprada pelo vento do inimigo.
No final de escrito, gravei uma promessa, com se o próprio coração do meu menino: Amado meu, um dia eu chegarei em tua nova cidade e te amarei para sempre…
Os tantos amigos copiaram meu gesto, registrando mensagens e desejos de que ele encontrasse os caminhos buscados.
As lágrimas foram inevitáveis e a chuva dos confetes restantes do carnaval foi atirada quando o ônibus começou a sair da rodoviária.
O menino me olhou pela última vez com seus olhos de esmeralda, chorosos das saudades que sabia sentiríamos e me atirou um beijo que guardei vida afora.
Estiquei o olhar até alcançar o mais longínquo espaço no exato território da última curva que, por fim, engoliu-o, perdendo-o definitivamente de vista.
Chorei todas as lágrimas disponíveis sentada no chão frio e marmóreo da varanda estrelada, donde dantes cumpliciava nosso ardente amor.
Meus olhos incharam-se e eu percebi que o pranto cega e que a vida sem ele não precisava de nenhuma visão.
Exatos vinte e cinco anos depois, reencontrei meu menino, agora com um farto bigode, cabelos brancos que o tempo lhe deu, mas com aquele mesmo sorriso e olhar adolescentes.
Ele me envolveu no mais forte abraço permitido aos mortais e o baú dos anos abriu-se diante de nós, com toda graça e sonhos perdidos.
Choramos abraçados. O presente foi muito grande e não dava para abrir de uma só vez. Saboreamos a emoção sem saber um sonho ou uma alucinação.
O destino havia marcado aquele encontro de modo soberbo, sem avisos anteriores, como se uma sina prevista sem revisão de questões. O coração parecia explodir no peito e as buscaram-se, apertando-se suadas e frias.
Cessaram-se todas as palavras , o mundo se tornou pequeno, aquelas promessas escritas na despedida ficaram reais. “A felicidade não é deste mundo”, já nos dizia um santo ou um sábio; porém,
Deus concede aos seus filhos uma missão feliz, pelo menos quando o amor é o dono do destino e é o capitão da alma.
Margarida Reimão