A autora traça em Ricos, Famosos e Beneméritos um retrato bastante vivo da sociedade actual, das enormes discrepâncias que existem entre os países ricos e os países pobres, mas não se limita a explorar esse lado sentimentalista.
Ricos, Famosos e Beneméritos
Quase no inicio do livro é colocada uma questão, sob a forma do estampado de uma t-shirt, sobre quem opta pela vida de funcionário de assistência humanitária: Missionário; Mercenário; Inadaptado e ou Desgosto de Amor?
E é Rosie, uma obscura empregada de publicidade que nos responde, ao mesmo tempo que apresenta os seus dois mundos. Habituada à vida agitada em Londres, uma paixoneta vai leva-la ao hemisfério sul, numa missão humanitária em Safila, África.
Estes dois cenários diferentes mais acentuam as diferenças que aqui saltam à vista, uma Inglaterra rica, esbanjadora e fútil, com uma África pobre e esfomeada, num século em que mais ficaram marcadas as diferenças entre os países ricos e pobres.
Um dos pontos altos da história é precisamente o encontro destas duas culturas. É um momento digno de ficar registado nos anais da história, mas terá de ler o livro para saber mais.
Helen Fielding consegue um romance em que o humor, a rapidez da narrativa despertam o interesse desde a primeira linha, mas com algumas surpresa para quem pense que se trate apenas de um retracto irónico. Ali bem perto espreitam os olhos enormes de crianças sub-nutridas e escuta-se o lamento de uma mãe que enterra um filho.
Não é possível deixar de fazer um comentário à óptima tradução, que respeita ao pormenor as formas de linguagem, adaptando-a para o português.
É em África que a nossa heroína recebe o choque de se aperceber que o mundo afinal não é regido pela justiça e muito menos é seguro para os inocentes. Confrontada com estes contrastes, Rosie revela-se a si mesma como uma mulher de forças, ao passar de secretária para dirigente de um campo de refugiados, e enfrentando o amor do passado.
Ela própria dá uma lição aos ricos que a rodeiam “Não temos o direito de viver no luxo e de apenas fazer gestos simbólicos quando metade do mundo é pobre”.
O livro é, acima de tudo, uma sátira social à forma como os ricos e famosos abraçam as causas sociais, apenas para um tempo de antena, sem respeitarem aqueles a quem supostamente estão a ajudar.
No reverso da medalha, estão os refugiados de guerras estúpidas, com a dignidade perdida de um povo que se vê obrigado a mendigar a comida, que enfrenta a guerra e as pragas, que olha impotente para a morte dos filhos e a sua.
Pelo meio ficam as políticas que não olham a quem morre, os novos governantes africanos querem impor o seu sistema de governação e que se revoltam contra os brancos e o seu próprio povo.
E ainda o poder da comunicação social. A determinada altura, Rosie enfrenta uma crise de falta de alimentos no campo e recorre a ajuda da comunicação social apenas para descobrir que a fome em África já não tem interesse, porque perdeu a sazonalidade no campo das notícias. A fome deixou de ter interesse e Rosie medita sobre o assunto quando olha o corpo de uma criança que morreu de fome.
A autora traça neste livro um retrato bastante vivo da sociedade actual, das enormes discrepâncias que existem entre os países ricos e os países pobres, mas não se limita a explorar esse lado sentimentalista. Fá-lo também através da apresentação de personagens-tipo, que vivem vidas paralelas e se descobrem com surpresa.
E a questão fica colocada: Afinal quem é o homem civilizado?