Confesso que já me sentia algo excluída deste sistema, só porque nunca tinha sido assaltada. Afinal, todas as pessoas que conheço e com quem falo já tinham passado por experiências do género. Algumas mais do que uma vez. E eu nada.
Fui assaltada
Receei que se tratasse de um defeito genético, o nunca estar no lugar certo à hora certa ou algo no meu aspecto que os afastava.
Olhava em meu redor, e palavra de honra que posso jurar que as pessoas notavam que eu era diferente. Fosse pela autoconfiança que demonstrava face à insegurança dos restantes, fosse pelo meu olhar, que admirava as belezas que me circundavam, sem me preocupar em olhar a redor com receio estampado no rosto, o certo é que já se notava a diferença
Pensei mesmo, em desespero de causa, começar a frequentar certos locais de alguma fama para ver se acabava com o tormento de ser diferente. Afinal a minha única experiência tinha sido o carro com a fechadura forçada, nada de preocupante e mesmo sem ida à polícia.
Até que esta semana, sim, fui assaltada. Para meu alívio e dos meus familiares que já começavam a encarar o caso como desesperado, encarando a minha situação como uma aberração, para mais uma pessoa que trabalha em Lisboa e sai à noite.
Escondiam mesmo a história de amigos e vizinhos. Afinal, como é que alguém nos dias que passam podia ainda afirmar inocentemente que nunca fora assaltada e que não sentia essa raiva e impotência que nos faz revoltar contra bandidos e maiores bandidos que são as autoridades instituídas que tudo fazem para não zelar pela nossa segurança?
Mas aconteceu finalmente. Ia sossegadamente a entrar para o autocarro, na Avenida da Liberdade, quando senti uma mão puxar o telemóvel que se encontrava numa bolsa especial que as práticas malas actuais apresentam, onde descansava da sua labuta diária.
No entanto, para meu azar e como tudo na minha vida, também esta experiência ficou inacabada. Porque o instinto ainda conta mais do que as convenções, a minha reacção foi defender-me, puxando para mim a mala e deitando olhares ferozes ao meliante.
Este afastou-se, até porque outras pessoas notaram a manobra e a tornaram impossível, acabando por sair na paragem seguinte.
Hoje já me arrependo dos olhares que lhe deitei. Quem sabe o trauma que causei no indivíduo (por acaso branco e já entrado em anos). Além disso, com este meu movimento brusco até lhe poderia ter causado algum dano físico, além de que impedi a experiência de me sentir privada dos meus bens pessoais e assim apenas posso dizer: “quase fui assaltada”, o que já é bem melhor do que o “nunca fui assaltada”.
Agora apenas me resta regressar ao mesmo local e esperar que ele volte. Ou outro. Para lhe pedir desculpa do meu “repente” e na esperança que complete o serviço.
Depois já poderei ir passar umas horas à esquadra mais próxima, apresentar queixa que sei que será arquivada e passar a fazer parte das estatísticas com que políticos de ambas as cores gostam de se brandir. E ser plena cidadã portuguesa roubada.