Crónica: Festas do Corno do Século XXI

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Crónica da Mulher Portuguesa
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Isto das Festas do Corno tem muito que se lhe diga. Se levássemos á risca esta tradição estaríamos perante uma festa sem um final aparente. Sim, porque os cornos andam aí. Disfarçados, mas andam!

Festas do corno

Li esta semana uma notícia, algures, num jornal diário, que me deixou boquiaberta! Motivos? O ressurgir em pleno século XXI de uma prática há muito extinta: a ‘Festa do Corno’.

Não que ache que essa parelha de marfim, nestes casos meramente virtual, seja muito louvável, mas a forma como a mesma foi tornada mediática é que me chocou, já para não falar dos métodos utilizados para criticar e castigar uma atitude protagonizada por um ser humano.

Meus amigos, se fossemos realizar uma ‘Festa do Corno’ por cada vez que alguém é infiel, certamente não haveria pedalada que aguentasse para tantos casos de traição que ocorrem no nosso país. Digamos que estaríamos perante uma rave do corno, assim uma mistura da modernidade com um ritual de fidelidade muito antigo. Daria um bom cocktail, não acham?

O sucedido ocorreu na aldeia de S. Julião, no concelho de Penafiel, em 1996, e está agora a ser julgado (impressionante como a nossa justiça é ‘rápida’, não acham?). Uma senhora decidiu separar-se do marido, mas meses depois o povo não a perdoou e acusou-a de ter um amante.

Vai daí, um grupo de pessoas decide cercar a casa da dita senhora e iniciar o ritual da denúncia da infidelidade. Gritos, insultos, e agressões físicas foram as lembranças mais presentes daquela noite.

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Trouxeram funis, cornos e tubos de plástico, não fosse algum deles falhar, bem como mocas, chicotes (iriam também recorrer a outros rituais antigos?) e barras de ferro, e decidiram entrar na casa da vítima, agredindo-a a ela e ao seu filho de sete anos, ainda hoje com problemas psicológicos por causa do que viu. Além do mais, os treze ‘justiceiros’ ainda queriam levá-la nua para o meio da rua. Imperdoável!

O que se passou nesta aldeia do concelho de Penafiel vem demonstrar a forma como o povo português evoluiu apenas exteriormente, a par e passo como modas trazidas do exterior, apenas para que não nos chamem ‘bimbos’ ou qualquer coisa dessa género.

Não se aperceberam ainda que estamos no século XXI, que a mentalidade e as coisas mudaram, e que não é desta forma animalesca, incivilizada, desdenhosa, que se consegue chegar a algum lado.

Cometeram graves erros estes falsos ‘justiceiros’: invadiram uma casa e a privacidade de uma pessoa, injuriaram-na, difamaram-na, agrediram-na física e psicologicamente, em nome daquilo a que se deu o nome de fidelidade.

O mais hilariante é que é exactamente por detrás destes puros exemplos de machismo que se escondem os homens mais infiéis, moralmente desequilibrados, e que praticam actos muito distintos dos bons costumes.

A forma como as pessoas pretendem julgar os outros é, de facto, surpreendente. Ninguém se olha ao espelho em casa antes de dizer algo ou de agir de determinada forma? Será possível que não percebem que o tempo já avançou e que estes tipos de rituais fazem parte de uma época que em nada se assemelha à nossa?

E, desculpem-me que vos diga, agora ironizando um pouco, ‘um homem sem cornos é a mesma coisa que um jardim sem flores’ (li isto na porta de uma casa de banho)! Aliás, eu nunca percebi uma coisa: porque é que o homem que trai é o macho, o garanhão, e a mulher que trai é uma desavergonhada, a p…? Estarão os homens com medo da concorrência e de não aguentarem a pedalada? Hum, parece-me que sim!

Idealizando esta situação da ‘Festa do Corno’, onde as casas das mulheres infiéis ou das viúvas casadas recentemente eram cercadas por homens que, através de cornos, anunciavam a traição a todos, vem-me à ideia o quanto seria interessante realizar-se uma festa deste âmbito em cada casa onde a fidelidade não fosse cumprida.

Lisboa, Porto, e um pouco por todo o país, traria para a ribalta uma orquestra de instrumentos de sopro inesquecível. Talvez entrássemos para o ‘Guiness’ como a maior orquestra de instrumentos de sopro, de preferência sem dizermos o motivo de tamanha algazarra.

Já não basta termos ídolos de homens machistas, ditos garanhões (?), apregoando aos sete ventos os seus dotes, que parecem só funcionar com as estrangeiras, quanto mais agora termos que mediatizar a imagem de um exemplo do típico homem corno.

Em vez de Zezé Camarinha, pessoa que, sinceramente, considero uma aberração da natureza, poderíamos trazer para o palco desta comédia, movida por nobres instrumentos de sopro made in Alentejo, Ribatejo ou Trás-os-Montes, um ‘Manel do Corno’ ou um ‘Tony do Corno’.

Acho que ficava bem, é apelativo, e o ridículo da situação não deixa de ser menos mediático que a parolice que o Zezé Camarinha solta cada vez que abre a boca para dizer baboseiras

Minhas caras, o problema aqui é que teríamos muitos concorrentes à imagem do corno português. Não me vou aqui aventurar a dizer determinados nomes, porque também eu não gostava de ver escrito na Internet que sou uma mulher corno (?), mas que a lista é infindável e apetecível de ser minuciosamente analisada, ai isso é que é!

Queria apenas deixar aqui um recado: esta história dos cornos está a ser ironizada por mim, mas a verdade é que a fidelidade é um valor que deve ser respeitado. Quem não o quiser seguir está no seu pleno direito, e ninguém deve criticar! Com a vida dos outros ninguém tem nada a ver, mesmo que isso lhe possa causar revolta ou repulsa.

Deixemos de ser tão metediços, coscuvilheiros, e sempre preparados para criticar os outros, porque um dia podemo-nos arrepender. Aos amantes das traições e infidelidades aconselho alguma precaução: qualquer dia pode acordar e deparar-se com uma autêntica orquestra lá fora. O pior, e para aqueles que vivem em andares, é que fica-se sem saber quem é o verdadeiro corno. Uma verdade que, quem sabe, só você possua!

Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante

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