É pr’á menina e pr’ó menino, olha o telelé a tocar. De modas ou meias modas o que é certo é ver toda a gente a puxar do seu telemóvel, gesto em que apenas os modelos podem distinguir os tipos ou classes sociais, uma vez que, ao contrário de alguns anos atrás, agora o pequeno instrumento já está ao alcance de todos, miúdos e graúdos.
Ninguém escapa ao telemóvel
E é ver os toques, os tiques e outros ques, que para aqui não são chamados, a soarem e a fazerem saltar de alegria os seus possuidores.
E que coisa melhor para um povo curioso e abelhudo da vida alheia que um telemóvel? É que não necessitamos de estar de ouvido atento, escutando através das portas ou das paredes (o truque do copo encostado à parede ainda resulta?) para ficarmos a saber da história de Fulana, que foi assaltada, onde Sicrano está e quando vai chegar a casa, o que vai ser o almoço ou jantar e ‘na tua casa ou na minha’ e, se tiver alguma sorte, pode até mesmo calhar-lhe uma saborosa discussão ou uma picante conversa.
As coisas funcionam assim: o telemóvel toca, é atendido e a conversa desenrola-se em ‘alta voz’ e quanto mais o assunto parece ser privado, mais sonora se torna a conversa.
Nos restaurantes, nos cafés, no trabalho e acima de tudo, nos transportes públicos, onde a imaginação mandar e o interlocutor se lembrar, temos os tics e os toques, que estão de tal forma arreigados nos nossos hábitos, que basta ouvir uma simples nota mais aguda para todos deitarem olhares às malas, bolsos, cinturas e afins, para sacar do aparelhinho. E é ver o desânimo estampado nas faces de não ser para si a chamada e de perderem a oportunidade de dar a conhecer um pouco mais da sua vida.
Mas como se isto não chega-se, ainda há os que acham que qualquer sítio é bom para atender uma ‘chamada urgente’ nem que seja para discutir sobre a cor das cortinas na janela, quando, depois de esperarem horas numa qualquer fila de repartição pública, chega a sua vez, e esquecidos das ameaças e protestos enquanto partilhavam a fila, ocupam o tempo de atendimento com o telelé encostado ao ouvido, enquanto que o atendente se esforça por lhes chamar a atenção.
Porque os portugueses são assim, ciosos de saber o que se passa na casa ao lado e que se saiba o que se passa na sua. Seja contando maleitas, sortes e azares a quem se senta por perto, seja abrindo ao mundo as janelas ou alardeando a vida no autocarro com uma qualquer companhia ou, meio ainda mais recente, deixando na caixa do multibanco o papel com os respectivos dados.
Somos assim, generosos com o que nos pertence e partilhando tudo.
Cronista da Mulher Portuguesa: Maria do Carmo Torres