…a verdadeira dificuldade desta tempestade de leis e normas jurídicas, é entrar no ventre da questão e analisar positivamente um mundo, no mínimo bizarro…
Onde pára a justiça?
Definir em traços gerais o conceito de Justiça, ainda para mais em Portugal, não é muito complexo. Mas, a verdadeira dificuldade desta tempestade de leis e normas jurídicas, é entrar no ventre da questão e analisar positivamente um mundo, no mínimo bizarro, pintado de simulações e de gestos contraditórios.
Foi o que aconteceu com Ruben Cunha, a vítima que morreu electrocutada num semáforo do Campo Grande.
Os Juízes deviam reger-se por uma uniformidade. E a lei devia ser contemplada aos olhos de todos da mesma forma, e ainda que o não fosse, ao menos que acaretase com ela os mínimos padrões de Justiça. Coisa a que, infelizmente, não assistimos. O caso do Rúben foi apenas mais um caso. Mais um grão de areia neste deserto ausente de igualdade, onde os fundamentos do rigor parecem não existir.
O processo de Ruben Cunha foi reaberto, quase por milagre, aos olhos de uma Juíza consciente desses escassos momentos de lucidez que pairam na Justiça, e pela mão de um advogado emblemático que ousou contestar a decisão anterior.
Morreu uma pessoa. Um jovem com a vida toda pela frente, que com um sinistro toque arrasou de vez com a passagem entre o mundo dos vivos. Onde pára a Justiça? E o culpado onde mora?
A Justiça decide encerrar o processo. Porque não convém, porque não há provas do real culpado, porque o Rúben estava à hora certa, no local errado.
É esta a leitura implícita e revoltante que a nossa Justiça faz de um caso com esta delicadeza. É decisões como estas, que permitem o crescimento brutal do conjunto de culpados isentos em Portugal.
E a Justiça parece estar do outro lado, envolta em decisões pouco credíveis e longe da prestação de serviços para a qual foi nomeada.
O lema de que a Justiça, seguindo o raciocínio das ideias de muitas individualidades, só favorece os mais ricos e prejudica os mais pobres torna-se cada vez mais verídico. Todavia, este caso foge à regra, ainda que não na sua totalidade.
Em primeiro lugar é preciso ter em conta que um advogado cobra elevados honorários, e nesta situação especifica, os pais do Ruben foram buscar um dos melhores das nossas barras de tribunal.
Isto implica custos muito elevados! Mas, quem são os pais do Ruben? Empresários de sucesso que colocaram debaixo do processo um cheque cheio de zeros? Pessoas com forte influência económica, política e social? Não! Os pais do Ruben são cidadãos comuns, que apenas querem dignificar a memória do seu filho! Daí, a excepção que permite fugir à regra.
Portanto, a Justiça deu meia volta e retornou com a sua decisão, que aliás devia ter sido a tomada logo desde o início. Quase que este drama que vitimou o Ruben podia ter servido de argumento para um filme: o jovem que morre, os pais que exigem culpados, o Ministério Público que nega o pedido e, novamente, os justiceiros procuram aquilo a que têm direito.
É humilhante dizer isto, ainda para mais porque se respeita a dor e mágoa do casal Cunha, mas Portugal já parece uma daquelas produções gigantescas de Hollywood, em que a Justiça afirma uma leitura e depois reformula-a novamente.
Meus Senhores, a realidade não é um filme com argumento, efeitos especiais e onde há um intervalo pelo meio para recarregar energias. A realidade é perigosa e cruel.
A Justiça é pouco coerente e nem sempre justa. Aqui não se está a assistir a um filme, porque a morte pode mesmo surgir de um qualquer semáforo. Esta é, sem margem para dúvidas, a nossa possível sentença pelo estado crítico do país em que vivemos.
Cronista: Ana Amante