Crónica: Partir em grande estilo desta vida

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Cronistas da MulherPortuguesa
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Quando alguém morria o principal sentimento era de tristeza. Agora, as lágrimas juntaram-se também ao plano material. Ir de BMW, Mercedes ou Audi pode ser a tendência do futuro para partir em grande estilo.

Morrer é para ricos e pobres. Todos temos o devido direito à vida, mas infelizmente temos também que nos sujeitar à morte. Porém, muitos são aqueles que mesmo na hora da morte fazem questão de exibir os seus valores materiais.

Como partir em grande

Um caixão simples, que nada significa do ponto de vista do sentimento daqueles que ficam, pode não chegar. A ornamentação luxuosa, os dizeres com uma letra mais retocada, as futilidades na hora da despedida podem ser encaradas como um sinal de profunda homenagem mas, e como para tudo há um limite, parece-me que estes excessos pode tornar-se mais num desfile fúnebre elitista do que propriamente numa cerimónia de despedida 100% sincera.

O motivo da minha observação é pertinente. Sim, não pensem que achei que não tinha mais nada para falar e que achei que seria de louvar falar de coisas mórbidas. Não!

Até porque o suposto doping de Fernando Couto, que acredito estar inocente, as declarações de Manuela Arcanjo, que davam pano para mangas, ou as exigências dos enfermeiros, são temas de crónicas mais que pertinentes, mas o bizarro de uma notícia que li num jornal diário fez-me enveredar por este tema macabro, que de alegre pouco ou nada tem, embora o conteúdo seja totalmente impensável.

Na notícia lia-se que na Expofuner – Salão Internacional de Arte Funerária, que decorreu na Exponor de Matosinhos, estavam a ser exibidos produtos fúnebres e uma gama de serviços do mais irreal que se possa pensar. Interessada pela dita notícia decidi lê-la até ao fim, à espera de coisas verdadeiramente surpreendentes. E, digo-vos desde já, que não me decepcionei!

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Com mais de 15 países representados naquele certame, esta é a maior feira da Península Ibérica e a terceira maior da Europa. (nunca percebi muito bem porque é que estamos sempre em lugares privilegiados nas coisas mais amargas e que, normalmente, são motivo de desgosto, mas enfim!).

Novas técnicas de embalsamento, abordadas pelos franceses e espanhóis, bem como a necessidade de formação dos agentes fúnebres, evitando assim os burlões, foram outros dos temas em discussão num evento que termina hoje.

Imaginem vocês, meus caros leitores, que as urnas que ‘concorreram’ à participação na feira apresentavam factores, no mínimo, caricatos. Uma urna com telemóvel e detector anti-roubo não cabe na cabeça de ninguém, mas esta foi uma das que por lá era para ter passado durante estes três dias, mas que à última hora foi ‘dispensada’.

Para que quer uma pessoa já falecida um telemóvel? Isto sem falar naquelas que estão bem vivas e que apenas precisam dele para se sentirem no mesmo patamar que os outros cidadãos, quando na realidade aquilo não lhes é preciso para nada a não ser para se exibirem. Bem, mas isto é outra conversa! E um detector anti-roubo?

Mas, desculpem a minha ignorância, vão roubar o quê numa urna? A própria urna? Bem, também na maré em que estamos, que assaltam as pessoas por meia dúzia de tostões, de facto a urna sempre vale mais!

O grande destaque deste evento foi um caixão-réplica de um Mercedes 220 CDI. Isto porque o autor do mesmo quer ir para o outro mundo ‘à grande e à francesa’, palavras do respectivo autor, e que se podiam ler no Jornal de Notícias. Decididamente, isto é uma loucura!

As agências funerárias ganham muito com este género de negócio e não têm qualquer pudor em pedir quantias exorbitantes por uma urna. Se a moda pega, é ver as pessoas com um novo brinquedo: revistas de urnas. Antes de morrer você escolhe a sua urna, no formato que quiser, com o seu aroma predilecto e, talvez, venha mesmo incorporado um sistema de som onde descansará a ouvir a sua música preferida de sempre! Digo eu! Não era divertido?

Claro que tudo isto seria pago em vida, para assegurar as despesas! Ainda que não se deva brincar com a morte, e acreditem que a respeito bastante, acho este tipo de sugestões uma verdadeira palermice.

Até porque já não basta sermos uma sociedade extremamente materialista, onde às vezes o dinheiro não dá para comer com grandes mordomias, mas certamente dá para adquirirmos o novo modelo da Ford ou, uma mentalidade um pouco menos materialista, aquele topo de gama da Nokia.

Por isso, e se sempre sonhou com aquele carro mas nunca teve dinheiro para o comprar, quando falecer pode ir comodamente deitada numa urna desse género com as mesmas características que o carro dos seus sonhos. Se é uma aficionada da festa brava pode encomendar uma urna em forma de arena, mas se a sua paixão é o mar uma urna em forma de barco não ia nada mal, não acha?

Enfim, são apenas meras sugestões! Os gostos são seus! Você é que tem que pensar aquilo que mais se identifica consigo e, caso o serviço venha a ser realmente implementado em Portugal, basta dirigir-se a uma agência e satisfazer o seu desejo.

Agora a sério! Deixemo-nos de futilidades baratas, de exibicionismo vis, de luxos ridículos que a lado nenhum nos levam. Em vez de se preocuparem com a morte, deviam era importarem-se com a vida. Não é depois de mortos que as pessoas recebem o merecido valor, e não é por ir num BMW ornamentado a ouro que as pessoas vão ter uma melhor opinião a seu respeito!

As agências funerárias e os mestres desta ‘arte’ (arte?) deviam eram preocupar-se em rever os preços dos funerais. Todos querem congratular os seus entes queridos com uma última homenagem, mas a exploração no meio é de tal ordem que nem sempre isso é possível.

Abdiquem de tamanhas ideias de riqueza e olhem um pouco mais para miséria que vos rodeia. Partir em grande não significa obrigatoriamente dignidade ou uma recordação eterna. Viver em grande, honestamente, e com nobreza interior é que pode ser algo louvável, e isso, infelizmente, escassas pessoas o conseguem realmente exibir!

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