Sofrer antes do fim: Vi-te qual menino perdido no meio de matagais… nascias tão solenemente que quase senti que o Mundo era um espaço idílico onde a beleza se confundia com o teu rosto de anjo celeste.
Sofrer antes do fim
Vi-te qual menino perdido no meio de matagais… nascias tão solenemente que quase senti que o Mundo era um espaço idílico onde a beleza se confundia com o teu rosto de anjo celeste. Linda aquela manhã de Primavera plantada num Domingo de Maio quando os frutos e as aves vêm cumprimentar de mansinho o Homem e o Cosmo.
Dir-te-ei que quando o embrulho se desfez e tu choraste, tomei consciência plena de que vieras de mim e que serias meu até que o vento norte tomasse contornos do domínio do incrível. Pensei que a tua pessoa seria sempre o meu presente soado e mastigado dia a dia, porque te trouxera nove meses envolto no meu querer mais forte.
Recordo aquele primeiro olhar fixante que deixava adivinhar um amor maior intersectado por nada nem por ninguém. Qual fera de um campanal trouxe-te agarrado ao seio meses consecutivos temendo que alguma bactéria te envolvesse a existência e te esgotasse a vida.
Passei dias incontáveis – dos três meses logisticamente doados – a olhar-te e a oferecer-te o melhor de mim. Falava-te em surdina e, qual Vénus trepando ao alto do monte para vislumbrar Eneias, também eu te oferecia o melhor do meu ver, pois até descobria que um novo cabelinho nascia na tua bonita tez de criança angelical.
Constatava, dia após dia, que te parecias demais com o teu pai e o orgulho extasiou-me de tal sorte, que quando vos via, lado a lado e adormecidos ficava extasiada à procura da ETERNIDADE.
Não queria sair daquele mundo ideal nem tão pouco auscultar a radio ou a televisão e constatar que meninos como tu, aqui ou noutros cantos do mundo sofriam a amargura de serem de ninguém e de se sentirem refutados pelas mães, solteiras ou alienadas mercê de qualquer hecatombe.
Julguei-te sempre o meu tesouro, o mais forte por entre tantos, e à noite, quando o manto negro nos vinha saudar abria as persianas para te oferecer a Deus e para lhe dizer que eras fruto de um amor maior que urgia ser ventilado sempre. 4
Disse-lhe, muitas vezes, que se ele era pai, decerto dar-te-ia sempre a possibilidade da aquisição da felicidade e jamais te deixaria cair no abismo da dor ou da indiferença.
Numa noite de luar, tinhas tu sete meses ofereci-te, qual bola de neve, aos meus versos e pautei uma canção excelsa sobre a tua frágil figura de menino vindo dos confins do infinito para ser amado à exaustão.
Depois foste sempre o meu ponteiro de segurança para tantas lições de escrita prosaica ou poética e para ti fiz versos rimados, soltos, sonetos odes e elegias cujo tema era, indubitavelmente, a Criança, os seus direitos e os seus deveres.
Na minha imaginação de mãe eras sempre o porto de abrigo, o salva- vidas e o homem aranha capaz de voluntariamente chegar a um alto promontório para atingir a bondade.
Cheguei a escrever que serias sempre a mão direita dos desprotegidos, a bengala dos sofredores e o pão quente dos pobres. Rimei muito sobre ti, mas sempre consciente de que o fazia por análise contrastiva com outras crianças de outros matagais, cujas famílias vergadas sob o peso da vida dura pensam que, que um filho é mais um fardo, mais uma boca para comer embora tivesse sido vontade de Deus!
Sofria com tudo quanto me rodeava, temendo um dia perder-te por entre uma multidão de gente que te apelidasse de companheiro, amigo, ouvinte ou Senhor. Mas enquanto estiveste ao meu alcanço foste sempre divinizado, sacralizado e dir-te-ei que te coloquei no pedestal quando te dei o melhor colégio que existia na zona onde habitávamos.
De bata de xadrez partiste embalado no desejo de seres crescido… de conheceres outras crianças para partilhares brinquedos, zangas e outras melodias.
Feliz estavas quando te doei todo o material didáctico para o teu começo de cidadão e mais extasiado ficaste quando percebeste que tinhas uma professora, uma educadora de quem gostavas muito e com quem partilhavas ditos, conversas e saberes.
Ao ver-.te passar por entre um grupo forte de criança senti-me mãe feliz, porque o meu rebento maior, a minha gota de majestade assumia contornos de segurança, regra e plenitude. Aos poucos fugias de mim e buscavas no seio do MEIO, a cultura e o Mundo. Todavia a FAMÍLIA continuava a dar-te o melhor dos teus sonhos, AMOR!
O tempo passou tão depressa que quase não notei a sua extensão e só percebi que estavas diferente, quando por entre gritos e ais me solicitaste que te deixasse ir brincar para fora da nossa praceta, salientando que estavas crescido e que acolá os meninos eram mais seguros, mais brilhantes e até melhores jogadores de futebol.
Deixei que a tua aventura se fizesse tão igual ao teu desejo que – passados alguns anos – sobre esta primeira saída já tu eras um homem feito e, consequentemente, já não pedias para sair… partias qual pássaro trepador em busca de ti próprio, tentando encontrar acolá no seio dos teus amigos, o MUNDO dito dos jovens e dos crescidos.
O mundo daqueles que tudo sabem e que não se compadecem com outras lições que não as bué da giras vindas e importadas da porta do lado, do amigo mais díspar, mas mais comum também.
Depois na escola secundária prepararam-te para a cidadania e para o mundo do trabalho e tu gritavas, bem alto, que quererias ser doutor, engenheiro ou professor.
Fizeste muitos testes, exames e trabalhos contabilizados com suor e sacrifício, mas talvez não tivesses aprendido que ser crescido é ser portador de uma mensagem de amor, de carinho e de paz.
Ser crescido é saber parar para pensar, é não reflectir abruptamente, é conseguir os nossos intentos com honestidade e mestria, mas tendo como trampolim a lealdade e o amor-próprio.
Vejo-te marcado pela excentricidade da sociedade, vejo-te amolgado pela competitividade e não te consigo rever no vocabulário desconexo que empregas a teu belo prazer.
Peço-te, filho, agora que estou à beira do fim, porque ninguém consegue destronar a vontade de Deus, que prossigas na autenticidade, mas fazendo – na minha ausência – o teu fado pintado de vogais e consoantes verticais e discretas onde não penetrem laivos de brejeirice e desarticulação.
Um dia quando fores pai, verás que ser progenitor é querer ver no seu descendente uma semente de luz e não um espelho distorcido onde o Homem não é senão um semi- deus, marcado por itens de malidicência.
Rapaz feito homem que atraiçoa, maltrata ou envenena grupos ou agrupamentos é fruto distorcido que urge ser penalizado, logo semeia o bem, porque cedo o colherás no seio dos homens vigiado sistematicamente por mim que reinarei no seio do Eterno… afinal serei sempre aquela que te ama demais, maugrado a distância! Sê feliz!
Este é filho… o canto dos poetas (dos quais faço parte) A VOZ DOS QUE SENTEM MAIS ALTO, a mensagem dos muitos Homens que plenos de consciência querem semear – para encontrar amanhã – o mais belo roseiral!
Luísa Ramos