São diferentes, aprendem mais depressa ou criam coisas em que nem os adultos pensaram. Mas têm uma vida difícil porque não vêem reconhecidas as suas necessidades. Muitos tentam o suicídio ou conseguem-no antes de atingirem a puberdade. Falamos dos sobredotados.
A Mulher Portuguesa esteve à conversa com Manuela da Silva, presidente do Centro Português para a Criatividade, Inovação e Liderança (CPCIL) e ficou a saber que a vida destas crianças e de quem tenta proporcionar-lhes um desenvolvimento adequado, pode ser mesmo muito complicada.
O que é e como funciona o CPCIL?
“O CPCIL é uma associação sem fins lucrativos fundada em Março de 1989, destinada ao estudo e luta pela igualdade de oportunidades para as crianças e jovens sobredotados. Proporcionamos programas de formação e de férias, e damos acções de formação aos professores em várias escolas. No Centro são avaliadas as capacidades das crianças e as famílias têm acesso a consultas de aconselhamento e orientação. Gostamos de conhecer a criança em todas as suas actividades e para isso contamos com os pais para fazerem o historial. Hoje em dia, já são as escolas que detectam a criança sobredotada e contactam connosco e com os pais.
Como se descobre uma criança sobredotada?
A expressão “criança sobredotada” surgiu na década de setenta para designar qualquer indivíduo com capacidades acima da média nas áreas da inteligência cognitiva, criativa, de liderança social e comunicativa e/ou psicomotora. Os especialistas consideram que em qualquer sociedade haverá cerca de 15 a 20% de sobredotados.
É difícil os pais detectarem este tipo de situação, mas são despertados pelas atitudes da criança quando esta adquire um bom vocabulário, começa a ler sozinha, faz montagens fora do vulgar, tem uma personalidade muito forte, uma boa capacidade motora, um bom relacionamento com os outros, e sabe tudo o que se passa com os amigos, na escola e na televisão.
Claro que o sobredotado não é, torna-se. Se houver disposição e condições favoráveis, esse factor aparece naturalmente, se tal não acontecer, fica um pouco mais adormecido. Por vezes podemos olhar para uma criança e dizer que não é sobredotada mas se ela for estimulada pode apresentar capacidades acima da média.
E o papel da escola?
Quando a criança é confrontada com a escola acontecem duas situações: ou a escola confirma aquilo que os pais viram e lhes desperta a atenção para isso ou acontece o contrário, e diz que “o seu filho não aprende, está sempre distraído”. Para os pais isto é um choque porque a ideia que tinham do filho é desmantelada na escola.
Aqui fazemos testes, procuramos saber o historial da criança e descobrir em que área se insere. O nosso objectivo primordial é que a criança não sofra, possa ser feliz e se realize. Normalmente, estas crianças têm umas áreas mais fortes e outras mais fracas e tentamos ajudar os pais a orientá-las para obter um equilíbrio.
Qual é a situação em Portugal ?
Em Portugal não existe nada. Há uma legislação que aponta para o respeito pelo ritmo de aprendizagem de cada um e há legislação que aponta para igualdade de oportunidades, mas na prática não há formação de base de professores, o que os leva a fazer o que sempre fizeram: privilegiar a aprendizagem pela memorização.
Na legislação vigente existem apenas pessoas medíocres, na média ou abaixo da média ou seja, não há sobredotados em Portugal. As pessoas não têm coragem de legislar novas formas de perspectivar o futuro, mas os recursos humanos são o futuro e temos de investir nessa área.
No CPCIL, apesar das despesas do costume, não contamos com ajuda de lado nenhum por não se tratar de um tema politicamente correcto.
O que acontece quando os pais descobrem que os filhos são sobredotados?
Geralmente entram em pânico e não querem aceitar. Ficam assustados com o termo e por isso não usamos essa palavra. Consideramos que se trata de um rótulo, que dá uma ideia errada.
Muitos ficam assustados e por isso explicamo-lhes que um sobredotado é uma criança que vai exigir aos pais muita disponibilidade de tempo e de conhecimentos, e que é preciso lidar com ela como se se tratasse de uma caixinha de surpresas, apesar de ser muito compensador. O percurso não é fácil, especialmente para a própria criança que tem muita dificuldade em acompanhar os pares da mesma idade e, infelizmente, é isso que a vão obrigar a fazer.
A partir dos três anos deve ser feita uma análise das áreas fortes e fracas da criança porque dessa forma há possibilidades de lhe proporcionar um desenvolvimento equilibrado.
E como se sente a criança?
Ela sente-se sempre mal. Não consegue perceber porque é que não é igual aos outros e faz um grande esforço para o ser, o que leva apenas a que não se integrem ou sejam aceites. Depois, há professores com ideias diferentes, uns que compreendem e outros que não e há pais que não sabem lidar com a situação ou que exigem demasiado da criança. Muitas acabam no psiquiatra ou no suicídio. Infelizmente nem sequer há apoio para estas criança como uma comparticipação no atendimento.
Procuramos ajudar estas crianças mantendo-as duas a três semanas em regime de internato, o que ajuda pais e filhos a descansarem e a relaxarem, mas é muito desgastante para nós. Encontram-se com outros e assim sentem-se mais acompanhados.
Quem está em maioria, o sexo masculino ou feminino?
Um dos problemas que se nos coloca é o das raparigas. Se em relação aos sobredotados não há uma grande aceitação e valorização, no caso delas ainda há menos. Apenas são detectadas cerca de 5% de raparigas porque a nossa cultura ainda está mais virada para o homem. E nas famílias é a própria mãe que faz essa distinção quando tem um rapaz e uma rapariga. As mulheres têm provado ter mais capacidades que os homens, como se pode ver pelo número das que entram para a Universidade. O pior é que depois falta a autoconfiança e a valorização social para poderem ocupar os lugares de chefia.
O que a levou a dedicar-se a esta área?
Primeiro porque sou professora e tudo o que se relaciona com educação e crianças me fascina. Segundo porque um dos meus filhos revelou muito cedo capacidades diferentes. Começou logo a falar correctamente e a enfrentar problemas na escola. A certa altura fui a uma conferência acerca de capacidades especiais e a partir daí tudo mudou. Aprendi imenso por trabalhar com o meu filho, o que me ajudou nos anos seguintes para lhe incutir autoconfiança.
Pensei que era egoísmo da minha parte ficar com tanto conhecimento apenas para mim e achei que tinha de partilhar a experiência. Aí comecei uma aprendizagem com o fim de ajudar outras crianças.
Sinto-me muito satisfeita, apesar de não ser nada fácil. Encontrei muitos obstáculos, muita maledicência mas passo por cima de tudo!
Em termos económicos não temos ajuda nenhuma e chego a gastar do meu dinheiro para fazer estes trabalhos. Costumo dizer que não chamo ninguém, mas enquanto os pais me procurarem, estou disponível, quando eles deixarem de me procurar, arrumo as coisas.”
Crianças com capacidades especiais, fundamentais para qualquer país, não contam com qualquer apoio nem reconhecimento em Portugal.