A MulherPortuguesa quis saber mais sobre a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores (LPDM)… Por isso, deslocámo-nos à sede da Liga, na Ajuda, para falar com a sua directora-executiva, a Dra. Paula Campos Pinto.
Aqui ficam excertos de uma conversa bastante esclarecedora… A Liga encontra-se numa zona um pouco degradada, onde existe uma série de instituições como o centro Helen Keller…
Sim, é verdade… Outra zona da cidade de Lisboa onde existe uma grande concentração de instituições é Chelas, onde a Liga também tem instalações. Como se sabe, estas são zonas muito desfavorecidas. Desta maneira, a Câmara Municipal tenta compensar os handicaps, as deficiências, enfim os problemas sociais que aí existem, com a criação de uma resposta eficaz. Portanto, é normal que se dê facilidades às instituições para aí se instalarem. O nosso terreno, por exemplo, foi cedido pela própria Câmara.
É nosso objectivo, enquanto Centro de Recursos Socias, instalarmo-nos em zonas onde os problemas económicos e sociais são notórios. É esta a nossa filosofia… Tentámos, assim, identificar as necessidades da comunidade que nos rodeia e apresentar uma resposta eficaz para tentar minorar esses problemas.
Nota-se, também, que este edifício foi construído de raíz, de propósito para receber este tipo de população. Aliás, é bastante agradável caminhar pelos corredores, existe um jardim interior, tudo está muito bem cuidado…
Seguindo a filosofia da instituição, o que tentámos foi realmente criar instalações com dignidade, onde as pessoas se sintam bem, não só para aqueles que frequentam a instituição, mas também para aqueles que aqui trabalham. Aliás, trabalhar com algumas destas crianças é extremamente pesado e, se não há um ambiente alegre à volta, as coisas tendem a não correr muito bem.
Este edifício foi inaugurado em 1986… Aqui nunca encontramos grandes corredores, mas sim corredores entre cortados… Para uma pessoa em cadeira de rodas um corredor comprido é uma barreira invisível, uma coisa terrível, como pode imaginar. Mas há mais…
Pode-se ainda encontrar, em cada área, espaços de convívio onde as pessoas se encontram, bem como salas próprias o que pressupõe a ideia de um trabalho individualizado. Temos, ainda, um sistema de comunicação simbólico alternativo, com uma imagem associada a cada área, e que nós usamos com os utentes que não podem utilizar a linguagem oral.
Aqui reúnem-se, então, pessoas com e sem deficiência…
Se há mais de 40 anos lutamos pela integração das pessoas com deficiência, não faria sentido sermos uma estrutura segregadora. Pelo contrário, temos de ser o exemplo de que essa convivência é possível e enriquecedora.
Procuramos, assim, criar um ambiente de inter-relação entre todos os que nos procuram. É este o espírito…
Reunir apoios para todas as actividades da Liga não deve ser muito fácil… As famílias, por exemplo, não devem ter grandes capacidades económicas…
É complicado… Isto já é um orçamento pesado – os encargos são elevados e as receitas fixas que temos, ou seja, os meios financeiros de que dispomos de uma forma fixa, resultado de protocolos que temos, são insuficientes para cobrir todas as despesas.
Quanto às famílias, a maior parte delas são carênciadas, embora contribuam na medida das suas possibilidades. Mas é sempre uma gota de água num oceano que já vai vasto…
Gerir uma instituição deste género requer, assim, uma grande imaginação e um grande esforço, uma grande contenção de custos por parte das pessoas, e isto é tanto mais exigente quanto nós nunca estamos satisfeitos com a resposta que já criamos…. Estamos sempre a pensar como é que podemos melhorar e o que seria importante para dar mais qualidade ao trabalho que fazemos…
Mas também é verdade que é esta insatisfação permanente que dá dinamismo à instituição.
E em que medida é que o Estado contribui?
Com o Estado temos vários protocolos, nomeadamente com o Ministério da Saúde, da Educação, da Segurança Social e da Solidariedade. São acordos de cooperação em que nos comprometemos a desenvolver um conjunto de actividades com um certo número de pessoas recebendo, em contrapartida, um montante normalmente per capita.
Além disso, entre os financiamentos a nível de particulares, existem as tais prestações das famílias – que são quase insignificantes – existem alguns donativos de empresas e de sócios que nos deixam, por vezes, o seu legado.
Depois há a parte importante que são os projectos que desenvolvemos junto da Comunidade Europeia. Estes são extremamente importantes porque estão na origem da dinâmica própria da instituição, obrigando a que se atinjam os resultados num determinado período de tempo.
Estes projectos não são para fazer aquilo que já estávamos a fazer há não sei quantos anos, mas sim para criar uma qualquer actividade nova, o que gera uma certo dinamismo na instituição e mesmo entre as pessoas que aqui trabalham.
Representam cerca de 30% do nosso orçamento, mas nem sempre isso é garantido…
Mas fica sempre algo por fazer…
Claro que fica sempre algo por fazer… Por vezes, a própria gestão das verbas é complicada porque estas não seguem o timing certo, vêm por tranches, depois atrasam-se e nós continuamos à espera… Afinal houve uma coisa qualquer e demora mais três meses, mas nós precisamos de pagar os salários, a água, a luz e tudo isso.. São compromissos inadiáveis face a receitas que não são tão programáveis quanto isso.
Com que tipo de pessoas deficientes a Liga trabalha? Só com deficientes motores ou, geralmente, está associado outro tipo de deficiência?
Um deficiente motor é uma pessoa que, por uma qualquer situação, tem uma incapacidade ao nível da mobilidade, quer seja das mãos, dos braços ou das pernas. Uma pessoa que teve um acidente e lhe foi amputada uma perna, por exemplo, é considerada como deficiente motora.
Mas esta é uma situação que não apresenta, hoje em dia, grande problemas – a criança poderá ir à escola, será aceite pelos colegas, enfim fará a sua vida normal.
As pessoas que frequentam a Liga, actualmente, são pessoas que têm deficiências mais complexas e mais profundas. Isto é, para além da parte motora também têm a parte mental afectada. Desta maneira, o compromisso é muito maior.
Aliás, é curioso verificar que, se por um lado os progressos da medicina trouxeram a oportunidade de detectar mais precocemente este tipo de situações, por outro faz com que sobrevivam crianças com situações muito mais complicadas do que anteriormente. Assim, a questão da multideficiência tem aumentado nos últimos tempos.
E as famílias… Deve ser difícil ter um filho deficiente. O acesso às instituições não deve ser muito fácil e depois coloca-se o problema de quem vai tomar conta dessa criança…
Realmente, é dramático… Em Lisboa já existem alguns recursos – uma família que tenha uma criança com alguma deficiência já consegue encontrar alguma instituição, já há uma resposta melhor ou pior…
De facto, quando se chega à fase da vida adulta, o drama dos pais é grande e a pergunta mais frequente é “o que que vai acontecer ao meu filho?”.
Há muita falta de apoio, por exemplo, ao nível residêncial. As lacunas são imensas e as pessoas sentem que, se um dia os pais desaparecem, não se sabe bem o que vai acontecer.
E como é que a Liga apoia essas mesmas famílias?
Nós apoiamos as famílias, logo nas primeiras etapas da vida (quando a deficiência é congénita)… Damos-lhes toda a ajuda necessária para fazer face a essa situação e se adaptarem a ela. E, ao longo do percurso dos jovens, procuramos estar sempre em contacto com as famílias, procurando aumentar a confiança em si mesmas e em desenvolverem uma maior capacidade de reinvindicação.
Mas na questão do emprego, por exemplo, algumas vezes as famílias tornam-se um obstáculo. O que se passa, é que as pessoas com deficiência, quando atingem uma determinada idade, podem usufruir de um subsídio vitalício de incapacidade – não é muita coisa mas, pelo menos, é algo seguro.
Se a pessoa obtiver um emprego perde o direito a esse mesmo subsídio. Ora a sua recuperação – caso esse emprego se perca – é um processo burocrático, pesado, preferindo muitas famílias a segurança do certo do que o risco de um emprego que depois pode não dar em nada.
Claro que também não podemos criticar estas famílias – temos de compreender que algumas vivem num estado de grandes necessidade económicas, já que a deficiência acarreta grandes custos. Temos é de compreender e tentar mudar o sistema…
Falando em sistema, a sociedade ainda olha com uma certa estranheza para o deficiente. Nunca sabe se ele sente o mesmo que nós ditos “normais”, se ele tem consciência do tipo de vida que leva…
Para quem não está tão por dentro, as coisas parecem um bocado estranhas… Por isso, é que são tão importantes estas iniciativas de divulgação. Muitas vezes, para estes jovens, a única forma de expressão é a Arte, já que através do movimento eles exprimem o que lhes vai lá dentro.
Ás vezes olhamos para uma pessoa com movimentos incontrolados, que não fala, e duvidamos até onde é que vai o seu raciocínio. Para quem os conhece, é fácil interpretar os sinais que eles dão… Aliás, o que é fascinante para quem trabalha nesta área, é precisamente entrar em contacto com estas pessoas e, depois de algum tempo, descobrir a Pessoa que está por detrás, com todas as características humanas que fazem de cada um de nós uma pessoa especial, diferente de todos os outros.
De maneira que se criam verdadeiras amizades… Nós temos pessoas que trabalham cá e que, ao fim-de-semana, levam estes jovens à discoteca, a um bar…
A expressão artística é, então uma das grandes apostas da Liga… Alguns dos trabalhos estão aqui expostos. Não procuram mostrá-los a um público mais vasto?
Aqui temos um espaço que chamamos pomposamento como o Corredor, onde organizamos de tempos a tempos exposições com trabalhos dos alunos.
Procuramos também encontrar locais públicos – já temos feito exposições no Centro Comercial Amoreiras, em galerias de arte (em Rio de Mouro que pertence à Câmara Municipal de Sintra). Costumamos, ainda, fazer uma venda de Natal
com trabalhos dos alunos… Mas é difícil.
Nós batalhamos muito, por exemplo, há já não sei quantos anos com a Câmara de Lisboa está para nos dar um espaço para uma galeria, de mais fácil acesso… Só que ainda não foi possível concretizar esse projecto.
Estamos agora com uma iniciativa que vai, muito em breve, abrir ao público. É o que se chama de empresa de inserção… No fundo, é um pequeno restaurante que vamos abrir no Parque Eduardo VII e que se chama a Casa da Flor.
Este é um espaço, cedido pela Câmara, que vai servir refeições rápidas, onde vão estar jovens deficientes e jovens de comunidades étnicas a trabalhar. Assim, ao mesmo tempo que criamos postos de trabalho, vendemos os produtos que são produzidos na escola de formação profissional, nomeadamente ao nível de áreas como a pastelaria e a culinária. Tentamos, deste modo, criar interfaces com a comunidade… Mas também sentimos que as pessoas desconhecem esta realidade, para elas é um mundo à parte.
Por isso, todas as oportunidades de passar a mensagem são essenciais e, sempre que fazemos iniciativas, procuramos divulgá-las junto da comunicação social… Mas não temos tido muito sucesso, mesmo em relação às exposições.
Temos, aliás, feito um trabalho muito interessante com alguns grandes artistas, como a Graça Morais, Zé Guimarães, o Artur Duarte…
O que procuramos é criar uma relação com um determinado artista. Para isso, convidamo-lo a integrar este projecto e, depois de aceite o convite, vamos com o nosso grupo de jovens visitar o atelier do artista, de maneira a conhecer e ver o trabalho que está a fazer, que técnicas usa, como pinta e qual o seu estilo.
Numa segunda fase, é a vez do artista visitar o nosso atelier e ver os trabalhos já feitos e os que estão em desenvolvimento utilizando as técnicas ou a metodologia própria desse artista.
No fim o que resulta é uma exposição conjunta. Aliás, os artistas ficam muito surpreendidos com os resultados finais.
Outra das áreas de intervenção é a da reinserção profissional. Como é que reagem os empresários face aos vossos apelos?
Corre melhor do que há alguns anos atrás. Apesar de tudo, tem havido alguma evolução, estando a sociedade mais aberta do que há dez anos. Em relação aos empresários, cada vez são mais aqueles que estão dispostos a aceitar o risco, e fazer essa aposta.
Todos os anos, premiamos duas entidades (uma pública e outra privada) para homenagear na nossa festa de Natal – chamamos a isto os patronos da festa de Natal – pois esta é a altura ideal para manifestar o nosso reconhecimento em relação aqueles que têm dado o seu apoio e que permitem que a instituição avançe.
Este ano foi, precisamente, um empresário (além da Câmara de Lisboa) que nós escolhemos, pela sua atitude face ao emprego de pessoas com deficiência. Ele teve, aliás, uma expressão muito engraçada… Ele já contratou 3 pessoas e disse que a primeira pessoa que recebeu foi mais por solidariedade, mas que, de facto, agora já o faz por convicção, porque encontrou profissionais válidos, que trabalham como os outros, que são dedicados.
Hoje, este empresário não tem qualquer dúvida em selecionar uma pessoas destas, porque sabe que a empresa vai ganhar com isso. São poucos, mas a verdade é que já vão acontecendo casos destes com alguma regularidade…
Mas essas empresas também recebem alguns apoios do Estado…
Existe uma série de apoios que são disponibilizados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional que vão desde subsidios de acolhimento a apoios para algumas adaptações que sejam necessárias introduzir como a eliminação de alguma barreira.
Mas também não é por aí que as coisas funcionam porque, com a nossa burocracia habitual, são sempre coisas que demoram muito tempo a concretizar-se e, se as pessoas vão motivadas por isso, rapidamente desistem.
O que é preciso então para mudar a mentalidade das pessoas?
O que é preciso, acima de tudo, é dar visibilidade a estas pessoas.
Aqui há uns 3/4 anos foi publicado por uma organização europeia (Forum Europeu da Pessoa com Deficiência), um documento em que se falava exactamente deste problema e se dizia que as pessoas com deficiência são, muitas vezes, os cidadãos invisíveis porque não têm condições para poderem estar nas escolas como as outras crianças, ir aos locais onde nós vamos, ao cinema, etc.
E, como não vão, o que se passa é que deixam de ser vistos e, quem não conhece ou não está no meio, acaba por achar que eles não existem.
Assim, a primeira coisa a fazer é confrontar as pessoas com esta realidade. Daí a nossa preocupação em sermos um centro aberto, de estarmos em contacto com o que se passa lá fora, de falar destas coisas, de mostrar o nosso trabalho… Neste momento preconizamos muito esta filosofia – enquanto há alguns anos atrás havia uma escola dentro da instituição, agora queremos que os nossos alunos estejam na escola, mandando para lá todo o pessoal necessário. O nosso papel, neste momento, é de mediadores, justamente para tentar que a sociedade vá mudando, acolhendo e integrando estas mesmas pessoas.
Esta é a visão que se defende – a deficiência não se encontra na pessoa, mas no ambiente que se encontra inadequado às suas necessidades. Se pusermos o problema no meio, invertemos um bocado a situação e cria-se uma predisposição diferente.
O trabalho de reabilitação também é muito importante no desenvolvimento das pessoas com deficiência. Com é que ele é desenvolvido aqui na Liga?
Este é um processo que nunca termina porque temos sempre a preocupação de ir cada vez mais longe no nosso trabalho.
Na Liga fazemos um trabalho de reabilitação que começa o mais cedo possível, nas tais crianças que nascem com deficiência, procurando estimular o movimento, aliviar problemas respiratórios, etc. Pela vida fora, vai havendo sempre um acompanhamento, dependendo da situação… Existem casos que pedem uma intervenção pontual, outros que não… Varia muito.
Temos também casos das pessoas idosas que têm um acidente vascular e que aqui fazem a sua reabilitação. Por isso, o nosso trabalho abrange todas as faixas etárias e é sempre um trabalho individualizado.
A Liga só se encontra sediada na cidade de Lisboa ou existem outros pólos?
Foi uma opção da instituição não haver uma descentralização com uma dependência sempre em Lisboa. A Liga foi criada e funciona apenas na cidade de Lisboa, com dois pólos – um na Ajuda e outro em Chelas.
Temos é ajudado, ao longo do nosso percurso, várias instituições a formarem-se e a desenvolverem-se na área da reabilitação. Deste modo, ajudamos na formação dos técnicos, recebemos estagiários a quem explicamos os nossos métodos, como fazemos determinado programa, etc, o que tem apoiado imensas instituições.
Mas Lisboa continua a ser um “paraíso”… Existem outras zonas do país onde instituições nem vê-las!
Por isso mesmo temos tentado estimular esse desenvolvimento, dando o nosso apoio de uma forma mais efectiva.
Esta foi uma opção – não criar uma macroestrutura dependente de Lisboa – pois consideramos que as respostas devem ser encontradas a nível local, tendo em conta os recursos locais.
O que podemos encontrar em Chelas?
Em Chelas funciona a Escola de Formação Profissional, mas também outros serviços para a comunidade: um jardim de infância, para crianças sem qualquer tipo de deficiência, um Atelier de Tempos Livres, cuidados de saúde onde se faz a reabilitação, etc.
Quanto aos cursos de formação, estes são cerca de 15 e passam pela carpintaria, culinária, costura, artesanato, artes gráficas, lavandaria, assistência automóvel, etc.
E esses cursos estão sempre ligados para o exterior…
Em todas estas oficinas, a aprendizagem faz-se através da prática, estando cada curso dividido em 5 níveis aos quais corresponde um conjunto de tarefas. O formando entra e começa a aprender as mais básicas e, ao fim de algum tempo, faz-se uma avaliação transitando ou não para o nível seguinte.