Fernanda Grilo dedica-se aos bordados, uma actividade que desenvolveu no Hospital, depois de ter deixado de parte por falta de tempo, enquanto trabalhava. Em breve, a leitora da Mulher Portuguesa vai poder adquirir os seus trabalhos no site www.abcdobebe.com.
Um dia normal no escritório. Fernanda Grilo começa a sentir-se mal disposta. Nem consegue participar no lanche desse dia de Reis de 1998, algo anormal para uma pessoa sempre alegre e divertida. O mal estar agrava-se e tem de ser transportada ao Hospital dos Capuchos, de onde sairá seis meses mais tarde, com a vida alterada para sempre.
A história de Fernanda Grilo
Mulher Portuguesa foi conhecer melhor a história de Fernanda Grilo, que enfrenta um problema raro nos anais da medicina. O seu organismo cria aderências, que levaram o intestino a ficar “colado”, assemelhando-se, como a própria descreve “a uma couve-flor”.
Depois dos dias de desespero passados no Hospital, a vida parece recomeçar aos poucos, enquanto se prepara para a derradeira cirurgia que lhe vai permitir ficar ostomizada, situação por si vivida neste momento, mas em que necessita de material adaptado ao seu problema.
Actualmente com 44 anos de idade, Fernanda dedica-se aos bordados, uma actividade que desenvolveu no Hospital, depois de ter deixado de parte por falta de tempo, enquanto trabalhava. Em breve, a leitora da Mulher Portuguesa vai poder adquirir os seus trabalhos no site ABCdobebe.com
Outra paixão é a Internet, onde já fez inúmeros amigos e com os quais promove encontros e almoços.
Entre estas acções, dedica-se ao apoio de doentes na Associação Portuguesa de Ostomizados, porque compreende as dificuldades de quem enfrenta este tipo de problemas, muitas vezes sem o auxílio da família.
A família foi o ponto fulcral na recuperação de Fernanda. “Durante o tempo que estive no Hospital, a minha família não soube o que eram fins-de-semana de descanso e as noites também eram um tormento, sempre à espera do pior “.
Toda a sua vida foi alterada. Responsável do departamento de recursos humanos da empresa Eletrolíber, a terminar o curso de gestão na universidade, todos os planos caíram por terra. Não conta voltar ao emprego, mas terminar o curso ainda é um objectivo. “Já voltei a conduzir, mas ainda não consigo entrar no meu local de trabalho, porque sinto muita tristeza”.
Os maiores problemas enfrenta-os com o pouco apoio da Segurança Social nas comparticipações das despesas, por o rendimento per capita da família ser superior ao ordenado mínimo. Apenas 12 mil escudos por mês para quem gasta perto de oitenta mil em material. “Os sacos rondam os mil escudos, porque têm de ser adaptados, a placa e a pomada, que gasto diariamente, são 800 escudos cada um.
O ano de 1998 foi o pior da vida de Fernanda Grilo. Operada de urgência na noite do internamento, as complicações sucederam-se, criando oclusões, o que levou a uma nova cirurgia três dias depois. Manteve por semanas, inalterada a sua situação, nos Serviços de Urgência.
Optimista por natureza, não se deixou abater: “convenci-me de que, apesar de tudo, voltaria ao normal. Mas as coisas eram complicadas, a costura supurava e o saquinho vertia, porque não estava adaptado ao meu problema, situação que o pessoal de enfermaria, com a ajuda dos delegados de ação médica tentaram resolver, através de adaptações do que já existia”.
Em Abril, nova cirurgia no Hospital do Desterro, complicada, que durou perto de dez horas mas que não resultou como os médicos desejavam e colocou a sua vida em perigo, tendo a família sido avisada das poucas possibilidades de sobrevivência de Fernanda. Inconsciente durante três dias, a vontade de viver falou mais alto.
Acordou ventilada e sedada, mas teve a lucidez de pedir ao médico que não a desligasse do ventilador. “apesar de incomodada pelo tubo na garganta, a minha preocupação era saber da uma enorme aflição que é não ter forças para respirar sozinha, e voltar a ser entubada é terrível. Por isso preferi manter o tubo, o que levou o médico a comentar que era a primeira pessoa que pedia para ficar entubada depois de acordar”. No regresso ao S O dos Capuchos foi recebida com muito carinho pelo pessoal. “Já se tornara quase a minha casa, pelo tempo que ali passei”.
Um fungo no sangue vem trazer mais complicações, a um corpo já demasiado fraco com apenas 37 quilos. Febres altas de 42º, foram combatidas com gelo e compressas pelas enfermeiras. Mas o tratamento seria mais difícil: “foi terrível, muito doloroso, teve de ser administrado por 45 dia e consistia numa injeção diária, administrada à noite, isolada da luz, durante três horas.
Provocava-me dores horríveis, para além dos efeitos secundários de vómitos, suores e queda do cabelo, o que me levou ao pânico pensando que estava a ser submetida a quimioterapia. Tive de cortar o cabelo. Estava muito fraca, as enfermeiras é que me penteavam e arranjavam. Eu era como uma boneca nas mãos delas. Tinham de me pegar ao colo, porque nessa fase já não andava”.
Mas o pior de tudo foi “não poder ver os meus filhos durante os dez dias que passei nos Cuidados Intensivos. Para minha sorte, a cama estava colocada junto da porta e cada vez que a abriam e a fechavam eu via quem estava do lado de fora e conseguia dizer adeus ao meu marido, filhos e mãe, mas isso não é o mesmo que tê-los ao pé de mim”.
Maio trouxe melhorias, o que levou o director do Hospital a considerar o caso como um milagre. “Foi muito sincero e disse-me que nunca mais poderia fazer a minha vida normal, que a adaptação seria muito difícil, mas que com a minha força de vontade iria conseguir ultrapassar tudo”.
A fisioterapia levou-a a recuperar o andar, mas a melancolia instalava-se “tinha horas desesperantes, olhava para as paredes e pensava que nunca mais iria poder sair dali”.
A determinada altura a mãe lembrou-lhe os bordados e Fernanda dedicou-se de alma e coração a esta tarefa. “Comecei por fazer um pano de tabuleiro, depois outro e entrei no ritmo, e o tempo passou mais depressa.”
A primeira saída em fim-de-semana para casa coincidiu com o aniversário da mãe, mas o regresso ao hospital provocou muitas lágrimas. “Saí do Hospital radiante, tudo o que via me parecia novo, mais colorido. A casa pareceu-me pequena, e todos os meus amigos lá foram ver-me. A primeira noite de volta ao Hospital foi difícil, mas contei com o apoio de todos para passar essas horas”.
Findo o ano de 1998, Fernanda Grilo regressou a casa. Passou a fazer fisioterapia no Hospital todos os dias até poder continuar no Centro de Saúde perto de casa. Mas até este tratamento teve de ser interrompido quando lhe foi diagnosticada osteoporose. O ano de 1999 passou-o entre a casa e o hospital.
A sua curiosidade natural levou-a a aprender tudo o que podia sobre a sua doença e permite-lhe auxiliar na Associação de Ostomizados, a que promete dedicar mais tempo assim que puder.
Do pessoal do Hospital só tem a dizer maravilhas, pela forma como foi tratada e acarinhada. Agora prepara-se para a próxima cirurgia.
“Vou confiante, porque tenho saudades de me ver como era antigamente e como tenho uma hipótese, estou ansiosa, mas não vou pensar que vai tudo correr bem e que vou ficar exactamente como era. Se as coisas não correrem tão bem, pelo menos vou ficar com uma heleostemia em condições e vou continuar a sobreviver como o resto das pessoas, que fazem as suas vidas normais e têm os seus empregos”.
A Mulher Portuguesa apenas pode desejar toda a sorte a Fernanda Grilo.