Nem todos vêem o mundo da mesma maneira. A partir do estímulo de um cheiro, som, número, ou de uma letra, há quem veja cores. Os sinestésicos sentem-se privilegiados com esta percepção do mundo e acrescentam que não queriam ver o mundo a preto e branco como os restantes…
Sentir a música como uma pressão, uma picadela no corpo, ver letras e números que evocam cores diferentes, ou paladares com cores, é algo que à partida pode parecer estranho. Estas pessoas não são alucinadas, sofrem de sinestesia que as faz ver sons, sentir cores, ou o paladar das formas. E é assim que as pessoas que sofrem de sinestesia, vêem o mundo.
Uma, em cada duas mil pessoas, sofrem de sinestesia. Esta palavra vem do Grego syn (unido) e aisthesis (percepção), formando a expressão percepção unida. Se os Românticos viam os sinestésicos como pessoas de percepção elevada, mais próximos da divindade e numa vanguarda da espiritualidade humana, o que de facto, distingue os sinestésicos da maioria, é uma disfunção cerebral que leva a que um, ou mais sentidos, se misturem aquando um estímulo.
O interesse científico pela sinestesia surge apenas no séc.XIX, desmitificando um pouco do culto que se fazia aos sinestésicos. Esta admiração era de tal ordem, que era comum, artistas fazerem-se passar de sinestésicos, ficando assim, mais próximo do invulgar, do excêntrico e até da perfeição humana. O próprio Kandinsky, famoso artista plástico russo, chegou a admitir, o fascínio que sentia pelos sinestésicos, “essas pessoas com enorme sensibilidade” e levou-o a pegar neste conceito e aplicá-lo como inspiração nas suas obras.
“Não me recordo do seu nome, mas lembro-me muito bem da sua cor…, como é mesmo o seu nome?” Este pode ser um comentário feito por um sinestésico. Esta frase serve também para exemplificar que pode ser frequente, um sinestésico lembrar-se da sua impressão secundária (cor, cheiro, paladar) em vez da primária, ou seja, o objecto em si.
Por norma, as pessoas com sinestesia não estão descontentes com a sua percepção do mundo, pelo contrário, muitas não trocariam a sua percepção, pela da maioria que segundo os sinestésicos, representa um mundo a preto e branco. Porém, a este sentimento, precede momentos de grande angústia e tristeza, motivados por dúvidas acerca da doença e pela própria diferença. Se as letras, ou as notas musicais, vistas pelos sinestésicos, têm cores, estas são bem específicas, não se trata apenas da letra x ser verde, uma letra ou um som tem uma cor muito específica, na variadíssima paleta de cores existentes.
Estudos de investigadores dos EUA, Escócia, Inglaterra, Canadá, Austrália, França, Alemanha, Israel e Finlândia, centraram-se na invulgaridade dos sinestésicos e chegaram a pensar que eram como que uma janela aberta para um dos últimos mistérios da mente humana: a consciência e percepção humana do mundo.
Novos estudos foram surgindo, até que Sean Day (ele próprio sinestésico), professor de inglês na Taiwan National Central University, depois de analisar 175 casos, conseguiu identificar 19 tipos de sinestesia mais comuns. O caso mais raro de sinestesia que se deparou foi o de pessoas que sentiam texturas, pressionando a pele, enquanto olhavam para os objectos.
Entre os 175 casos de sinestesia, contavam-se, números ou letras que evocavam cores, unidades de tempo que despoletavam cores, ou sons falados que evocavam cores, como sendo os três casos mais comuns deste estudo.
Em 1995, num estudo conjunto entre Inglaterra e Itália, concluiu-se que a sinestesia é, de facto, a ligação entre as diferentes ilhas de células que temos no cérebro, estabelecendo assim, pontes entre os vários sentidos sensoriais. Este estudo adiantou ainda que, a sinestesia pode ser genética e que não há normalmente, concordância quanto às cores que vêem, a partir dos estímulos dos objectos, nem nada que prove que os sinestésicos estão mais vulneráveis a perturbações mentais.
Não ficou também provado que estes indivíduos tenham mais aptidões para as artes que os que não têm sinestesia. A razão pela qual, a sinestesia aparece mais em mulheres que em homens (duas a oito mulheres, por cada homem), também ficou sem explicação.
A sinestesia é assim, uma confusão no processamento dos dados dos sentidos e pode aparecer nas mais variadas formas. Trata-se numa disfunção cerebral, na parte mais primitiva do cérebro, o sistema límbico, que mistura sensações e a mediação das emoções.